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Um cheiro de sol no planalto central

Henrique Silva

O  Em 2019, Brasília completa 60 anos de criação e construção. Assim que ficou pronta na gestão do presidente Juscelino Kubitschek, em 1969, a cidade se tornou o centro dos poderes executivo, legislativo e judiciário do país. Sendo um sonho concretizado de um mineiro, a capital administrativa foi moldada nas características do estado vizinho, com sua culinária, trejeitos e modo de ser.

 

Assim como Minas Gerais teve papel preponderante na formação da nova capital, outros estados, em sua maior parte do centro e Nordeste do país também refletiram sua essência em Brasília, por meio de seus povos que se deslocaram até o planalto central em busca de uma melhor condição social e financeira.

 

O resultado de tanta miscigenação foi a falta de identidade própria da capital brasileira, transformando-a em um recorte de diversas culturas nos mais diferentes aspectos: culinária, modo de ser, linguajar, entre outros. Apesar de não possuir uma característica personalizada, Brasília encanta e impressiona quem mora ou quem já passou por ela, como é o caso de Roudinele Faria.

 

Natural de Itaúna, interior de Minas Gerais, ele partiu com seu companheiro rumo à capital brasileira há dois anos. De lá para cá, muitos aspectos chamaram-lhe a atenção, mas a culinária foi o principal. Ele afirma que apesar de a cidade não possuir um prato típico, os que existem demostram - e muito - a essência do povo que ajudou a construir a cidade. “Brasília não tem um prato típico. Como a cidade só foi inaugurada em 69, pessoas de muitos lugares vieram para cá, trazidos pelas tentadoras vagas de emprego. Vieram, principalmente, do Nordeste e de Goiás.

 

O prato mais comum é a galinhada com pequi, fruto que pertence à Goiás, mas que é abraçado pelas pessoas daqui. O prato tem sabor forte e me faz pensar na força humana que foi necessária para construir tudo isso!”, observa. Roudinele comenta também sobre as vivências dos primeiros habitantes que chegaram por lá. “Era um povo pobre, mas cheio de esperança que vinha dos confins do país. O frango e o arroz que deveriam compor as marmitas dos candangos que as levavam sob o sol, ganhavam um perfume especial com o pequi e o coentro. O prato tem cheiro de sol, de tempo quente, e tem a 'sustância' de esperança, como dizem por aqui!”.

 

Como toda mudança de ambiente provoca alterações no modo de fazer e no sabor, o prato do Centro-Oeste brasileiro foi adaptado ao dia a dia do brasiliense. Segundo Roudinele, o prato ganhou toques nordestinos como o uso do coentro e não da salsa, como é na receita original. A galinhada nada mais é do que um cozido de galinha no qual se adiciona arroz e o deixa cozinhar um pouco mais. É um prato de tropeiros e o uso do pequi, fruto típica do cerrado, ajuda a conservar o prato para quem andava longas distâncias sob o sol escaldante do planalto.

 

O paladar, sendo um dos cinco sentidos naturais do corpo humano, é capaz de promover sensações e impressões de tudo aquilo que experimenta. Nesse sentido, quando a galinhada com pequi entrou em contato com o paladar de Roudinele, diversas emoções e significações vieram à tona em sua mente. Para ele, o sabor trouxe conforto, além de uma memória do fator humano e da força do querer do homem. É um prato que lhe proporciona uma ideia do rompimento da adversidade que o ambiente provoca, para conquistar um objetivo.

 

O prato lhe remete ainda a um respiro e abre possibilidades, bem diferentes das diversas ações erradas que o homem é capaz de fazer. Ele ressalta: “essa cidade tem muito isso: é um mundo cinza no meio do nada, o centro da burocracia e da (in)justiça brasileira. Você encontra um pequeno restaurante, com um fogão de lenha simples, no meio de uma quadra comercial e pensa: apesar de tudo, o homem fez coisas maravilhosas no mundo. Isso dá uma força, um restauro de esperança!”.

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