top of page

Bahia e candomblé: mistura de histórias e sabores

Daniela Nogueira

Parte fundamental da cultura dos terreiros de candomblé está ligada à comida e ao ato da refeição. O alimento é tratado de forma importante, simbolizando força, energia, além de amor, doação e cuidado. Por meio das ofertas, o homem se conecta e agrada aos santos, chamados de orixás, compartilhando com toda a comunidade o sabor e o saber contidos em cada produto.

Quando foi iniciada a colonização brasileira, os navios negreiros trouxeram ao país mais do que escravos. Eles desembarcaram um povo cheio de culturas e crenças, até então, estranhas aos portugueses. O candomblé, a princípio confundido com feitiçaria, chegou à Bahia e, após a abolição da escravatura, cresceu como uma das religiões mais praticadas em solo brasileiro.

Em meio a isso, o Candomblé se mistura à história do Brasil e à raiz de nossa cultura. Durante muitos anos, a Bahia foi o centro político e financeiro do país, porém, seu histórico não é marcado apenas pela riqueza. Em igual proporção, ou quiçá maior, era o número de escravos que trabalhavam nas fazendas e chegavam diariamente aos portos de Salvador. Ainda que discriminados, é por meio dos milhares de africanos que aportaram no Brasil que a cultura nacional foi construída. E é aí que chegamos ao candomblé.

Neuza Custódia Aparecida Silva, 52, assumiu o candomblé como religião em 2004, mas já era simpatizante. Ela explica que os orixás estão conectados a tudo, e em meio a isso há os alimentos. “Nós, povo de santo, pertencentes às religiões de matriz africana, entendemos e acreditamos que o orixá rege cada elemento da natureza e também o fruto que dela brota. Assim sendo, a agricultura, a caça, a pesca... tudo é regido pelo orixá. E nós colhemos deste fruto, partilhamos na comunidade, nos alimentando e ofertando ao orixá, em agradecimento a tudo que ele é em nossas vidas e nos dá diariamente”, esclareceu.

A tradição vai além. Ela destaca que a religião como um todo é mantida para guardar os ensinamentos do passado. “O rito, a forma de preparar as comidas, o canto, a dança, tudo é preservado tal qual como chegou com nossos antepassados de África. Pouca coisa passou por adaptações para o culto do orixá no Brasil”, contou. “A importância da comida no rito está no fato de alimentar a comunidade ali reunida, agradar ao orixá no zelo e amor com que cada prato é preparado e agradecer sempre o que nos é dado, para o alimento do nosso corpo físico e fortalecimento do espiritual. A relação é mais entre o orixá e a natureza, a cada orixá é ofertado um prato diferente”, completou Neuza.

Entre os produtos ofertados estão o milho, o feijão, a mandioca e o inhame, mas também são usadas frutas, flores e animais, depende do rito a ser praticado, que são vários. Esses elementos estão relacionados à agricultura baiana. O estado é o maior produtor nacional de cacau, sisal, mamona, coco, feijão e mandioca. Além disso, tem índices consideráveis na produção de milho e cana-de-açúcar. A Bahia concentra ainda boa parte da criação de bodes, cabras e ovelhas do Brasil. No mês de outubro, a Pesquisa Agrícola Municipal, realizada pelo IBG, destacou o estado como sendo o segundo maior produtor no setor de fruticultura.

Com relação aos pratos típicos baianos, apenas um é feito como oferenda. O acarajé, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio nacional, é oferecido a Iansã. “A maioria das comidas baianas são originadas de lá mesmo, tipo o xinxim de galinha, o vatapá, o caruru, o mungunzá, que são cantadas em versos e prosas de vários artistas brasileiros. Nem tudo está ligado entre a comida típica baiana e as comidas oferecidas aos orixás. Como o candomblé tem a prática do sacrifício de animais, o que acontece é que em algumas situações, essa carne é aproveitada e com ela se faz pratos típicos baianos”, finalizou.

Paladares opostos: acarajé divide opiniões por onde passa

Pedro Martins

O acarajé é o quitute mais tradicional da culinária baiana e é um prato típico africano, que divide opiniões entre aqueles que o consome. Para fazê-lo, utiliza-se o feijão-fradinho amassado com cebola e sal, dando origem a uma massa que será frita no azeite de dendê. Depois de ser frito, ele é cortado ao meio e recebe o recheio com um molho refogado no azeite, composto por camarão, pimenta e cebola, uma verdadeira explosão de sabores.

 

De origem africana, a palavra acarajé significa “comer bola de fogo” – “akará”, significa bola de fogo, e “jé” significa comer. O nome do famoso prato surgiu a partir da lenda do casal Xangô e Iansã – ele, o orixá dos raios, trovões, fogo e justiça; ela, a deusa responsável pelos ventos e tempestades. A lenda diz que a deusa Iansã procurou Ifá, um oráculo da África, para buscar comida para o marido Xangô. O oráculo disse para a esposa que quando o marido se alimenta-se deveria contar para seu povo. Ao partir, Iansã desconfiou e comeu antes de entregar ao marido, porém nada aconteceu. Quando chegou em casa, deu a comida a Xangô e disse as recomendações. Quando comeu foi contar ao povo e o fogo saiu de sua boca. Iansã ficou nervosa e correu para ajudá-lo, mas de sua boca também saiu fogo e o povo começou a chamá-lo de grande rei de Oyó (do fogo).

 

Como o Brasil é um país repleto de diversidades e costumes diferentes, é natural que haja divergência de opiniões entre os consumidores. Quando o assunto é acarajé, sempre há a ala daqueles que o amam e daqueles que o odeiam. Para fazer esse comparativo, de um lado, está o jogador baiano Rafael Kinittel e, do outro, a professora mineira Thaís Souza, que concederam a entrevista a seguir:

 

Pedro Martins: Você nasceu e cresceu em qual lugar?

Rafael Kinittel: Eu nasci e fui criado em Salvador, Bahia.

 

PM: Com quantos anos experimentou acarajé?

RK: Eu experimentei um acarajé quando eu tinha mais ou menos uns três anos de idade, pois já era algo que a minha família comia bastante e era uma refeição que marcava o encontro de nossas famílias.

 

PM: Qual sua opinião sobre ele?

RK: Eu, pessoalmente, gosto muito de acarajé. Acho o gosto forte e a pimenta muito boa.

 

PM: Qual a frequência de consumo do acarajé na Bahia?

RK: Depende muito da pessoa e da família, pois para algumas pessoas pode ser algo muito comum, como para quem mora mais em áreas turísticas. Para outros que moram nas áreas mais urbanas, é algo semanal ou mensal.

 

PM: Você já comeu acarajé em outro estado? Notou alguma diferença?

RK: Nunca cheguei a comer acarajé em nenhum outro estado, pois nunca sinto vontade de comer acarajé fora da Bahia.

 

Como pode-se notar, para os soteropolitanos, comer acarajé é mais que um hábito, é uma paixão. O consumo é frequente e não faltam elogios ao prato. Já quando o paladar muda de estado, tem-se outras percepções, ainda mais quando o termo “quente” tem outro significado... Aliás, é bom deixar claro algumas interpretações peculiares: na Bahia, o alimento quente é aquele que vem com bastante pimenta e, em Minas, “trem” pode significar qualquer coisa, até acarajé.

bottom of page